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quinta-feira, 13 de julho de 2017

A Dança como ferramenta de transformação



Em cada fase da minha vida predominou um nome. Na minha infância, era chamada de Karol, como sou chamada até hoje por familiares. Na adolescência, momento de negação daquilo que é externo e de definição daquilo que você está se tornando, comecei a ser chamada de Ana. Neste momento, estou começando a sentir uma necessidade maior de ser chamada pelo nome que escolhi há uns 7 anos: Anysha. Como uma roupa, parece que só agora esse nome está nas minhas medidas, sem precisar de ajustes. Esta reflexão é sobre o que mudou em mim e, principalmente, na minha dança.

Entre idas e vindas com a dança do ventre, que eu comecei quando tinha 13 anos, apenas agora estou começando a entender por que danço e a resolver algumas crises que me fizeram parar ao longo dos anos.
Desde cedo tive a oportunidade de conhecer melhor meu corpo, de movimentar a região pélvica e de estar em círculos de mulheres, o que despertou um pouco do meu poder e da noção e necessidade de liberdade, mas também desencadeou processos dolorosos que eu não compreendia. Para as minhas alunas, sempre tentei passar o sentido sagrado da dança e daqueles momentos, mas a verdade é que, em mim, não encontrava muita certeza do que era esse tal de “sagrado feminino” e não associava as dores que vinham e os conflitos pelos quais passava ao início de um processo de cura. Não compreendia que todo aquele sofrimento vinha de movimentos corporais que acessavam feridas do feminino, de não aceitação da minha própria beleza e da beleza das outras, de movimentação de uma poderosa energia... E, naqueles momentos, não tive orientação no sentido de tratar essas feridas com outros métodos terapêuticos.

Achava bonitinho o discurso de dança do ventre como ferramenta de cura e de harmonia entre as mulheres, mas, apesar do processo interno que acontecia devagar, percebia que, de forma geral, isso estava muito distante daquele meio de ego, competição, maldade… Precisava de uma reconexão comigo mesma pra reencontrar sentido na dança.

Não foi nenhuma professora específica, nem nenhum certificado de alguns milhares de reais que me fizeram ter certeza de que a dança sempre faria parte da minha vida e que aquela era a forma de conexão com o divino que mais combinava comigo.
Neste ano, depois que passei a conhecer, viver  e estudar a sexualidade pelo viés do Tantra e depois que tive a minha primeira vivência com a Ayahuasca, estou conseguindo fazer as conexões que faltavam entre tudo o que me faz SER.  


Algumas pessoas próximas e amadas, que conhecem meu lado crítico e “materialista”, ao me ouvir falar dessas coisas, provavelmente vão pensar: “num acredito em nada disso”. Eu também não! Rsrs
Não precisei fazer força pra acreditar em nada, apenas passei a sentir, como se tivesse levado um soco
na cara… na verdade, senti orgasmos que me levaram a lugares que não conhecia...
O fato é que tudo isso tem explicações biológicas, é tudo muito concreto. No livro Vagina: uma biografia, a Naomi Woolf explica como a região pélvica é o início de caminhos neurais, que enviam seus impulsos à medula espinhal e ao cérebro, que, então, envia novos impulsos de volta, por meio de outras fibras, nos mesmo nervos. Há muito mais redes neurais ligando a pelve da mulher ao cérebro do que redes que vão do pênis à medula espinhal. A partir disso, percebemos o quanto a nossa pelve, nosso ventre, nossa vagina, está ligada ao cérebro. Ou seja, mesmo sem ter essa intenção, a dança do ventre (e aqui coloco o tribal como uma dança do ventre) tem um poder absurdo sobre a nossa saúde mental. 


O tantra percorre um caminho semelhante, buscando a cura mental, o empoderamento feminino – juntamente com um crescimento espiritual – através de ações físicas. Isso tocou no ponto que estava muito fragilizado dentro de mim. Por muito tempo, deixei de lado qualquer trabalho espiritual e coloquei um pano nos conflitos que apareciam com os movimentos e vivências de dança e de libertação pessoal (na verdade não um pano, foi um antidepressivo). Atualmente, além do tantra, passei a buscar um desenvolvimento integral com práticas de yoga  voltadas mais para o equilíbrio do que para a flexibilidade, agilidade e força, com treinos de pompoarismo e, quando sinto o chamado, busco orientações e limpeza com a medicina da ayahuasca. É um caminho sem volta… um caminho prazeroso de busca por uma existência plena.
O resultado de todo esse processo é que, hoje em dia, pra mim, não faz muito sentido um trabalho espiritual que desconsidere o corpo, que o trate como uma simples casca ou, pior, como fonte de distração e pecado. A dança também não faz mais sentido se não for um trabalho voltado para desenvolvimento total da pessoa, sua saúde física, mental e espiritual (não seria tudo isso lados de um mesmo triângulo?).
Mas isso tudo continuaria no plano do discurso se eu continuasse a viver a dança da mesma forma, se não passasse a evitar certas coisas e a exercitar outras e continuasse reproduzindo uma prática patriarcal e mercadológica da dança.

Mas isso tudo continuaria no plano do discurso se eu continuasse a viver a dança da mesma forma, se não passasse a evitar certas coisas e a exercitar outras e continuasse reproduzindo uma prática patriarcal e mercadológica da dança.
Vivemos em uma sociedade patriarcal, em que as mulheres são ensinadas a competir umas com as outras e a cultivar o ego. Vivemos em sociedade com uma lógica de mercado, em que o corpo precisa ser produtivo, útil; no caso da dança, o corpo precisa ser perfeito e servir para inflamar o ego, pois o ego é o que dá lucro. Para isso, a técnica precisa ser impecável e os cabelos (ou o cambret) precisam estar perfeitos.
O meio da dança do ventre é o que é porque está dentro dessa sociedade. Praticamos uma dança oriental, na maioria das vezes, sem a sabedoria oriental.
A partir dessa concepção da dança como um prática integrativa, ando evitando certos grupos e situações. Sempre me senti mal quando me vi dentro delas, mas achava que era um problema meu (não deixa de ser) e não simplesmente algo destrutivo, que não cabia na minha forma de pensar. Sempre saí dessas situações como “a estranha” ou “a sacana”, pois nunca conseguia explicar bem o que me fazia mal. Acho que estou começando a entender.
Os questionamentos e as conclusões que desenvolverei aqui são passíveis de mudança. As faço no lugar confortável de quem, financeiramente falando, não vive de dança (o que, em alguns momentos, torna-se um lugar desconfortável). Por isso senti a necessidade de compartilhar, para agregar pontos de vista a esse processo que estou vivendo:

1-      Será que sou boa o suficiente para me apresentar?


Há meses venho me questionando sobre quais elementos tornam uma pessoa apta para começar a se apresentar. Vejo colegas que ficam se cobrando, sem querer se apresentar, eu mesma passei anos sem me sentir preparada pra voltar aos “palcos”. Técnica, sem dúvida, é bem importante. Tanto que estou travando uma verdadeira guerra contra minhas paixões boêmias para uma vida mais regrada e disciplinada (acho que ainda estou perdendo a batalha rsrs).
Mas quando chega na discussão sobre perfeição em palco, fico um pouco confusa até onde é sadio exigir essa perfeição na dança do ventre/tribal.
Por que diferencio dança do ventre de outras danças? Primeiro, porque é a única dança que pratico há treze anos, não podendo falar com propriedade de outras. Depois porque estamos falando de danças que mexem diretamente com chakras que outras expressões corporais não movimentam (por toda explicação biológica que já citei), Como, agora, está muito forte o sentido sagrado da dança e a sua importância enquanto ferramenta terapêutica, fico me perguntando se cobrar a perfeição de uma pessoa não acaba sendo muito ofensivo à sua saúde.
 Sentimos que o quadril, as ancas ou a região baixa do corpo, onde estão localizados dois importantes Chakras ( vórtices energéticos do corpo sutil), é um lugar bastante poderoso para as mulheres. Disfunções nestes chakras podem nos levar a ter medo da diversão, do prazer e limitar nossa livre expressão a ponto de reprimir a nossa própria personalidade. Uma dança que envolve todas essas questões pode ser encarada de forma tão rígida? Isso eu falo do ponto de vista de uma bailarina, que se cobra muito e acaba cobrando muito dos outros. Vejo que falta gentileza em muitas mulheres e em muitos homens que dançam, tanto consigo mesmo, quanto com seus colegas.
A resposta que encontrei para mim mesma e que estou trabalhando para não me maltratar foi: não. Se ser bailarina profissional é buscar essa perfeição e não sentir prazer com menos que isso, faço questão de fazer como disse Osho e não me maltratar como a personagem do filme Cisne Negro:

“Seja comum, seja simples, seja você quem for. Não há necessidade de ser importante, a única necessidade é de ser real. Ser real é existencial. Ser importante é viagem do ego”.

Houve um tempo, em uma crise de depressão, que não conseguia gostar de nada que eu fazia. Achava minhas performances fracas, até que deletei todos os meus vídeos de todos os backups que tinha. Isso porque meus braços não estavam bons, eu poderia ter sido melhor, tinha errado a coreografia… Eu deixei de amar boa parte da minha existência porque não havia ainda atingido o nível que achava que devia atingir (e as críticas pouco construtivas de pessoas que tinham ainda menos técnica ainda acabaram me influenciando também).
Vejo meninas com uma insegurança enorme de dançar porque não são perfeitas e isso me preocupa muito. Quando você deve se sentir apta para dançar? A resposta que eu me dei foi: vá dançando… o corpo tem uma memória, então se você treinar e abrir o corpo para a técnica, ela aparecerá para o público. Quando sentir que tem o que mostrar, quando amar ver seu corpo fazendo aqueles movimentos, acho que saberá que chegou a hora. 

2)  Não vejo mais sentido em “shows de GALA”



Fico aliviada em ver que saiu um pouco de moda os chamados shows de gala, apenas com as “estrelas” dos eventos. Isso porque toda vez que me deparo com eventos que separam os bailarinos normais, que estão pagando para ter quatro minutos de palco e os que são especiais, convidados e exaltados, fico me sentindo muito mal. Não é recalque (rs), mas, além da ideia estranha de separar os bailarinos por “classe”, já me deparei com apresentações em mostras que, tecnicamente, poderiam perfeitamente estar em um palco “gala”. Pessoas que precisam ser vistas, que têm um potencial e um trabalho incrível. Mas o que ocorre quando há essa separação? É dado muito mais atenção e importância a um show que rotularam como “melhor”, enquanto que no outro vão apenas os familiares e amigos dos bailarinos e não é dada a devida importância a trabalhos bons, bonitos e ousados. Não há uma verdadeira troca e, com isso, todos perdem: tanto os bailarinos da mostra, que não têm a atenção devida e o contato com pessoas que admiram, quanto os bailarinos que já possuem mais tempo de dança, que não têm a oportunidade de se abrir para o novo e ver belíssimas apresentações
Geralmente, a explicação para tal separação é a quantidade de participantes. Mas dividir os shows por estilos tornaria tudo muito mais bonito e dinâmico para o público.
Contudo, ainda percebo que alguns bailarinos têm medo de não se destacar em alguns eventos, então sentem necessidade de criar toda uma atmosfera que os coloquem em destaque. Mas quem realmente tem a segurança e não tem medo de não ser a atração da noite, dança, com prazer, no mesmo palco que outras pessoas que não têm tanta experiência. Na verdade, sentem até prazer de ver uma cena se renovando... Esses, sim, têm minha admiração.  Eles não precisam de estrelinhas. Eles são estrelas naturalmente.
Ou, se a intenção for fazer um show com uma qualidade técnica mais definida, com uma temática mais “amarrada”, não tratar a mostra como um favor. Já passei por situações em que paguei caro para ser jogada em um palco e não ser acolhida nem receber a atenção devida por parte dos organizadores do evento e dos outros participantes.

3) Lidar com um público “exigente”




Mas voltando à perfeição… você precisa realmente dançar sempre perfeitamente bem? Você precisa ser tão rígida com si mesma? Pior… o público, porque pagou por um show, realmente tem o direito de cobrar um robô que não tem problemas?
Lembro de uma apresentação em que um bailarino fantástico dançou com umas taças em uma bandeja e todas (digo todas) as taças caíram. Ele se desconcentrou um pouco, ainda tentou recolher umas taças, mas depois voltou a dançar porque o público foi quem deu um show. Aplaudiu, deu força para ele continuar, seguiu a música com palmas, abraçou e deu muito carinho para o bailarino. Este, depois, teve uma atitude linda, não de desconsiderar aquela apresentação, mas de agradecer o carinho e colocar as fotos da apresentação. Ele sentiu amor por aquele momento, que foi realmente lindo.
Eu quero fazer uma boa apresentação, mas se,por acaso, algo não sair como o previsto, deveria apenas pensar: “acontece!” Porque somos humanos e dançamos algo que mexe com nossa emoção, com pontos energéticos.
E se o público for do tipo que está ali pra rejeitar os meus possíveis erros, pra falar mal de mim depois, sinceramente… Essas pessoas não estão prontas ainda pra apreciar o poder das ancas.
Outra coisa que estou trabalhando em mim é tratar cada apresentação como o resultado do que eu estou vivendo. Ali vou mostrar toda a técnica que estou treinando, mas talvez também mostrar as olheiras de não conseguir dormir direito, a tensão nos ombros por estar tentando carregar o mundo nas costas, um movimento pouco fluido por eu ter chegado ao meu limite naquele dia. E o público, nesse momento, é meu amigo, meu companheiro nesse caminho. Se ele se torna um crítico sem respeito, eu não vou negar todo o meu trabalho para me entristecer com seu julgamento. 

4)  Quando a arrogância é maior que a técnica.

Atualmente, ando me observando e exercitando mais a gentileza comigo e com os outros. Acontecia de passar um show vendo os defeitos dos bailarinos, até rindo de alguns. Esse hábito tornou-se comum quando passei a me apresentar com companhias de dança que tinham essa cultura.Também vejo muitas professoras (com uma frequência assustadora) citarem, de forma sarcástica, exemplos de performances que não estavam dentro de seus padrões, para mostrar o que é certo. Isso é necessário? Essas pessoas que estão sendo ridicularizadas aprenderão algo com essa atitude? Fazer isso serve para mais alguma coisa além de inflamar seu próprio ego?
Ou... Quem nunca comparou o posicionamento dos bracos das alunas com braços de tiranossauro rex?Já pensou que alguma aluna pode estar dançando com aqueles braços e, percebendo isso dessa forma agressiva, fique se achando ridícula e alimente um medo ainda maior de se apresentar?
Ou... aqueles exemplos de passos que foram ensinados errados por algumas professoras. Se alguém ensinou um movimento de um forma errada, não é ridículo. Podia ser eu, podia ser você, professora, que agora está tirando onda. Alertar para um erro é diferente de desconsiderar o trabalho de pessoas que estavam querendo transmitir um conhecimento, mas que, infelizmente, não tiveram acesso a uma fonte mais confiável. Principalmente no que se refere ao tribal. Apenas hoje os fundamentos estão mais claros e as dúvidas estão sendo mais facilmente tiradas. Mas até pouco tempo atrás, o Brasil experimentava esse estilo de forma até empírica e, por isso, muita coisa foi feita sem um conhecimento sólido.
Se alguém dançou algo que você não considerou bom, que achou ridículo, tudo bem. Não estou dizendo que devemos achar tudo lindo e perfeito, mas não vai mudar nada ficar comentando isso para outras pessoas. Isso apenas, além de ser antiético, alimenta a cultura de competição dentro da dança.
Se você é uma bailarina foda, parabéns!! Admiro muito e estudo muito seus movimentos! Mas se não, parabéns também! Cada apresentação demanda treino, energia, suor, dinheiro e é fruto de um processo criativo pessoal. Isso é divino! Vou ver seus vídeos, suas apresentações e acompanhar sua dança e sua evolução. E também vou admirar movimentos que você faz muito melhor que grandes bailarinas. Todo mundo tem algum movimento que encaixa perfeitamente em seu corpo e em sua personalidade.
Mas se você entra no palco pra dizer “olha como sou perfeita” e fala mal das colegas que não chegaram ao seu nível… não dá mais. Minha paciência para estrelas desse tipo acabou.


Enfim, viver a dança como uma ferramenta de conexão com o divino tem tornado minha técnica muito mais apurada (pois agora meus treinos são bem diferentes) e estão me distanciando de certas posturas na dança. Isso não me faz pior nem melhor, e a ideia de compartilhar é justamente abrir possibilidade para ser questionada. Mas está me fazendo mais feliz comigo e com meu corpo. Além disso, está, naturalmente, me aproximando de profissionais e de espaços de dança que têm essa visão de dança e que espalham essa sabedoria pelo Brasil. Graças aos deuses, há grandes profissionais que estão há anos vivendo a dança, e da dança, dessa forma. 

Kilma Farias - PB


Cito aqui minhas queridas mestras Kilma Farias, Ju Marconato, Taruni Dasi (que, em um workshop de dança indiana, abriu minha mente para essas questões). Também sei que as bailarinas Marília Botton Lins e Michelle Fritsch têm trabalhos sólidos e lindos com dança e sagrado feminino e que a bailarina Aysha Almeé  também é terapeuta tântrica. Essas e muitas outras bailarinas me alimentam ainda mais com a certeza de que a dança é, potencialmente, uma ferramenta de transformação. 




segunda-feira, 5 de junho de 2017

Seleção de vídeos: MÁSCARAS


“José Mattoso analisa o papel dual da máscara: ‘Se repararmos para que serve, sobretudo nas sociedades ditas 'primitivas' e nas sociedades tradicionais, tem de se reconhecer, creio eu, que a máscara, longe de ocultar, revela; que ela retira a expressão pessoal do rosto, mas manifesta aquilo que na vida cotidiana não se pode ver; que ela serve, enfim, para descobrir um certo sentido do rosto que está para além das aparências: aquele sentido em que a face viva e individual faz esquecer e só aparece com a morte.

As máscaras são narrativas visuais complexas, cuja função é dar voz a um personagem. Carregadas de mistério e divindades, elas introjetam valores de culto aos rituais, possibilitando por algum momento ser "o outro" que, com poderes ocultos e inimagináveis se harmoniza ao grupo, que o acolhe em tempo e espaço determinados pela história cultural.”[1]

Aproveitando o ensejo, fiz uma seleção de performances no estilo tribal fusion que utilizam máscaras.

O primeiro vídeo é um clássico de 1976, com a bailarina Katarina Burda abrindo as apresentações do Bal Anat:


Katarina Burda foi professora de Zoe Jakes, que apresentou essa coreografia com giros incríveis no Tribal Massive 2012:


E em 2013, a Zoe voltou ao Tribal Massive com outra performance com máscara, também com muitos giros, umas forte teatralidade e um jogo impressionado de tirar e colocar a máscara:


A PERFORMANCE do próximo vídeo É FANTÁSTICA! Impressiona a todos! A Anastasia Minashkina é uma bailarina russa e essa é a única informação que consegui sobre ela rsrs.

O próximo é o registro de um evento muito especial pra mim. O Infusion, show de encerramento do Curso de Formação da Joline Andrade, que ocorreu em São Paulo, em 2016. Foi maravilhoso dançar essa coreografia e conhecer essas mulheres lindas!!


E, por fim, um pouco de humor rsrs



Outros Vídeos:
Zoe Jakes e Kami Liddle com máscaras de oxigênio (2011)
Raphaella Lua no Show de Gala do Campo das Tribos (2014)
Espaço Cultural Karol Thayná (2016)
lady Wilma (2016)
Lux Tenebris – (2011)




[1] A Origem da Máscara. Por Anna Fontes. Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/anna_anjos/2013/11/a-origem-da-mascara.html#ixzz4bJMHehgA

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Indicação de Livro: História do Corpo


As diferentes maneiras como o corpo e a sexualidade são concebidos e o lugar que ocupam em determinada sociedade, assim como a sua presença no imaginário, na realidade e no cotidiano, auxiliam o historiador na compreensão das sociedades, sejam estas antigas ou contemporâneas. (Le Goff, 2006. LE GOFF, Jacques. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.)

A forma como nos cumprimentamos, como carregamos os objetos, os gestos que usamos para afirmar ou negar algo e todas as chamadas “técnicas cotidianas” não são, diferentemente do que acreditamos, naturais. Nossos gestos mais “naturais” são fabricados pelas normas coletivas, ou seja, são expressões culturais. A forma como utilizamos e vemos nossos corpos não é determinada, mas é profundamente influenciada por uma série de fatores: classe etária, status social, pretensão de pertencer a determinada classe, mensagem que se deseja transmitir e, principalmente, o tempo e espaço no qual estamos inseridos.

Percebendo, então, o papel central e complexo do corpo para o entendimento das sociedades, a obra História do Corpo reúne 22 ensaios, divididos em três volumes, que trazem a história de como os homens pensaram, trataram e sentiram o corpo, levando o leitor a compreender melhor sua própria forma de encará-lo. 
Mais de mil páginas que exploram aspectos das sociedades europeias, do Renascimento ao século XX e que são essenciais para a compreensão de que o corpo não é um ator passivo nem pacífico da nossa história e que as várias formas como nossa sociedade o tratam e o projetam têm um porquê e uma origem.
Até por cuidado metodológico, os três volumes de “História do Corpo” não introduz suas análises para o mundo africano ou oriental. Mas considerado que, no que diz respeito ao corpo, somos muito influenciados pela religião cristã e pelo modo de produção capitalista, eles podem levar-nos a perceber o quanto há de permanências (às vezes até assustadoras) e o quanto é importante a busca pela sabedoria oriental para lidar com o corpo de uma maneira menos cruel. 


Imposições coletivas x Libertação Individual

O corpo é, ao mesmo tempo, lugar de repressão e de libertação. Se por um lado, a modernidade representou a “emancipação em relação às tradições e hierarquias” – com a queima de acessórios cotidianos opressores como o espartilho – por outro, o processo civilizador do ocidente, especialmente a partir da ruptura que ocorre no século XVII, representou um lento trabalho de repressão, isto é, de distanciamento do pulsional e do espontâneo.
Etiqueta, autocontrole e polidez passam ser a regra. Dessa tentativa de domesticar o corpo surgem instrumentos tão caros à nossa sociedade, como o garfo. O “civilizado” torna-se o homem que sabe controlar o seu corpo e este se torna cada vez mais um motivo de vergonha, um conjunto de sujeiras a serem escondidas.
Acrescenta-se a isto um intenso trabalho da modernidade sobre as fronteiras do si mesmo, as pulsões, os desejos: controle da polidez e da sociabilidade, polimento das violências, autovigilância dos gestos no universo do íntimo. A compostura cotidiana, as maneiras, a sexualidade, os jogos, o espaço próximo, tudo isso transformou-se. 
Também neste caso, a mudanças não se deram igualmente em todos os lugares. O primeiro volume mostra, por exemplo, como, na Idade Moderna, os gestos de amor no mundo rural, com sua impulsão visível, sua imediatidade e sua brusquidão, estavam longe das reverências e das motricidades sempre mais policiadas, observadas nos rituais da corte.
Isso levou-me a fazer uma conexão entre dança e classe social. O corpo como um reflexo das diferenças sociais. De maneira geral, percebo nas expressões corporais das classes mais exploradas, um trabalho maior com os quadris e uma interação mais íntima entre os corpos. Justamente por essa cultura de controle, as elites não se permitiram (e, em menor medida, ainda não se permitem), movimentos mais intensos, que expõe o corpo e sua natureza. O pecado é um herança cristã fortemente arraigada nas classes mais altas, que, atualmente, cultivam a necessidade de discrição e pudor. 
Mente e corpo não são coisas separadas, portanto, o corpo sujeito a normas, o corpo “corrigido”, também tem sua consciência subjugada. Domesticar o corpo é uma das formas de tornar os indivíduos sempre mais “dóceis e úteis.
Uma dupla tensão, para dizer a verdade, atravessa o investimento no corpo, da Renascença às Luzes, esboçando as primícias das visões de hoje: uma acentuação das imposições coletivas, uma acentuação da libertação individual. 

Corpo humano e Natureza

Atualmente, principalmente entre pessoas de classe média, cresce a necessidade de reconexão com elementos naturais para a saúde e o trabalho corporal. Essa ruptura entre corpo humano e natureza , que hoje traz efeitos tão negativos para a nossa saúde, deu-se apenas no século XVII. Buscou-se apagar do inconsciente coletivo as referências a utilizações ocultas, aquelas que associam matérias preciosas, referências aos astros e manutenção do corpo,
Na Idade Média e ainda no Renascimento, tanto os seres quanto as coisas eram percebidos como uma continuidade. A cosmovisão era inteiramente teocêntrica. A partir do século XVII, há uma separação entre corpo humano e Natureza.  Os corpos são imaginados independentemente da influência dos planetas, das forças ocultas, dos amuletos ou objetos precisos. Não que sejam definitivamente descartadas as crenças, como as da medicina popular, dos curandeiros ou feiticeiros do campo, mas um conflito de cultura se aviva com a Renascença, onde o corpo se singulariza.


Ler alguns artigos desses volumes, portanto, nos dá mais instrumentos para libertar nossos corpos de amarras tão antigas, compreendendo os valores e os motivos de nossos hábitos e nossos conceitos.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

A dança da Deusa

Há experiências que mudam mágica e completamente a vida de uma pessoa. Há alguns meses que venho tendo experiências assim e essa dança foi inspirada na mais forte de todas: no contato com o Divino através da Ayahuasca.  Não consigo, com palavras, explicar o que aconteceu, mas uma imagem materializou uma parte dessas sensações.
Um dos maiores questionamentos que eu tinha me fez pedir orientação na cerimônia na qual tomei o chá. Perguntei se a dança faz parte da minha vida por uma questão de ego, apenas para exibição, ou se é realmente algo que faz parte do meu Ser. A beleza da resposta ainda é emocionante e ainda choro de alegria ao lembrar da dança de pavões em minha volta e do final da resposta que me foi dada: a dança da Deusa.
Em um momento da cerimônia começou a tocar a música Tupinambá, do grupo Mantric Mambo e algumas mulheres ali presentes começaram a dançar. Uma delas fez meu ser transbordar de felicidade. Aquela mulher dançando, com aquela força e aquela sensualidade, foi uma das coisas mais lindas que já vi em minha vida. Era uma Deusa dançando... e aquilo tudo mudou radicalmente minha forma de dançar também.

Decidi me apresentar com essa música no evento Tribalize, que ocorreu em Brasília, no dia 15 de abril e foi organizado pelo grupo Clann (Raisa Latorraca, Amanda Zayek e Gabi Ribeiro). Precisava de uma música “feliz” e essa me veio no momento em que recebi essa orientação. O engraçado é que fiz a coreografia muito rápido, tudo fluiu... Inclusive decidi fazer um movimento que a última vez que havia feito foi quando tinha 17 anos... Inventei de treiná-lo um dia antes da apresentação e dancei com a pernas queimando, mas, como aquilo, pra mim, era uma celebração, foi perfeito! Senti um pouco daquela força que vi na mulher/Deusa.

A minha gratidão é profunda! Minha dança não é mais a mesma depois daquela cerimônia. Apesar de não ter feito algumas coisas que havia treinado, não saí com aquela sensação de que algo havia faltado. Já saí de muitas apresentações pensando: “errei tal parte da coreografia”, “devia ter treinado mais”, “fiquei nervosa”, “foi uma bosta...”. O meu ego me destruía a cada apresentação e agora está diferente, pois, usando uma frase que ouvi muito durante a Imersão que fiz no carnaval (e onde tive essa experiência fantástica): tudo é perfeito! 


segunda-feira, 17 de abril de 2017

Indicação de Filme: LATCHO DROM

A cultura cigana causa fascínio e curiosidade, mas a diversidade de povos e elementos culturais compreendidos pela palavra “cigano”, até pela falta de registros escritos desses povos ágrafos (de tradição oral), é de difícil compreensão.

O elo histórico que há entre os pés batendo na areia do deserto e os sapateados nas ruas da Espanha, por exemplo, é revelado, de forma poética, pelo filme Latcho Drom, de 1993.

Latcho Drom, que significa “Boa Estrada”, mistura de documentário e musical, assume a forma de viagem que, durante um ano, do verão ao outono e do inverno à primavera, acompanha diversos grupos nômades, desde a Índia até a Espanha, passando pela Turquia, Romênia, Hungria, República Tcheca, Alemanha e França, mostrando as mudanças e as permanências verificadas nas formas de expressão desses diferentes grupos.

Diferentemente do modelo de sociedade contemporânea ocidental - que associa as artes aos momentos de lazer dos finais de semana e possui uma visão mercadológica da música - para os ciganos, esta é protagonista, estando presente em todos os momentos da vida, guiando os grupos pelas estradas, expressando alegria e unindo as pessoas.


Pode celebrar a vida, mas também ser uma lamentação. Um dos episódios mais tristes de nossa história é relembrado pelo filme: o massacre nazista que dizimou milhares de ciganos nos campos de concentração. É emocionando a forma como ele termina, denunciando/exorcizando os crimes e preconceitos sofridos ao longo dos séculos.[1]

A música e a dança fazem parte do cotidiano desses povos. Homens e mulheres dançam, cantam e tocam. É como se estas fossem a linguagem universal, que liga povos que não falam as mesmas línguas e fazem parte de contextos completamente diferente. Tanto que mal há falas no filme, não sendo necessário de legendas para o entender. Nós damos tanta importância a palavras e explicações, que isso pode parecer estranho e muitas pessoas podem não ter paciência para uma obra desse estilo. Por isso, considero também um bom exercício de desconstrução.

A cena da ghawaaze que, após dançar, pega um bebê no colo e começa a amamentá-lo enquanto os outros, naturalmente, continuam conversando, cantando, tocando e dançando, talvez seja a que mais cause estranhamento quando pensamos o quanto somos acostumados com o barulho desordenado das cidades e o quanto nossos movimentos corporais cotidianos são limitados e domesticados em prol de uma produção mecânica para o sistema. Talvez por uma herança do cristianismo,para nós (de maneira geral), o prazer e a festa são encarados por nossa sociedade como algo pouco evoluído, sujo, um pecado. A mulher, mãe, tem seu papel definido na sociedade. Há uma contraposição entre seriedade e festa, entre digno e vulgar e a mulher dançando ocupa a primeira categoria.


Apesar das perseguições e do preconceito, os povos ciganos resistiram e o que conhecemos como cultura cigana não corresponde a uma forma de expressão morta, mas está sempre sendo transmitida para as novas gerações e sendo renovada. É, portanto, nas crianças onde as tradições encontram essa possibilidade de continuidade. Observando e imitando os adultos, o filme mostra como as crianças ciganas crescem com o sentimento de pertencimento ao grupo e como, através da mímeses e a partir do ensinamento dos mais velhos, absorvem os passos de danças e a forma de tocar os instrumentos. O tempo todo o filme mostra a presença de diferentes gerações participando dos rituais culturais das comunidades, o que me fez pensar em grupos que mantém suas tradições no Brasil - como os grupos de maracatu, por exemplo - e me questionar se também há, entre os jovens que nascem nesses locais, esse sentimento de pertencimento e esse desejo de manter vivas suas raízes...

Ao ver o filme, também fiz uma associação com esse movimento de retorno às nossas raízes, a nossa ancestralidade, que está ocorrendo principalmente entre as jovens de classe média do Brasil (realmente nãos sei se ocorre o mesmo em outros lugares, mas é um fenômeno que estou percebendo como crescente por aqui). A reverência ao Sagrado Feminino, a maior atenção às terapias holísticas, a procura por tornar a dança um ritual sagrado, entre outras "modas saudáveis" são frutos de anos de repressão (principalmente sexual) e de afastamento de tudo o que tem a ver com o corpo e com o feminino. Nesse escopo, está também o desejo de se reconectar à natureza. Todos esses elementos que sentimos falta, o filme evidencia como integrantes das culturas ciganas. A natureza, por exemplo, não é apenas cenário. Faz parte do elenco, sendo protagonista em músicas e dançando junto com as pessoas, como em uma cena em que folhas secas dançam guiadas pelo vento.

Sobre o diretor...

O diretor, Tony Gatlif, nasceu na Argélia, em 10 de setembro de 1948. Filho de pais franceses, Michel Dahamani – seu nome verdadeiro – é descendente de ciganos romenos, povo sobre o qual pautou a maioria de seus 16 filmes (não apenas os dirige e os escreve, como também é responsável pela trilha musical).

Ainda quero ver os outros dois filmes seus que formam uma trilogia sobre o povo cigano: “Os príncipes” e "O Estrangeiro Louco". Abaixo está uma resposta sua, em uma entrevista à Folha[2], sobre esses filmes

Tony Gatlif - Com "O Estrangeiro Louco", concluo tudo o que tinha para contar sobre os ciganos. Para fazer "Os Príncipes", contei tudo que de pejorativo vivi, desde a infância. Em "Latcho Drom", expliquei de onde vêm os ciganos, desde a Índia até a Andaluzia, por meio da música. Estava faltando contar como era a vida dos ciganos, com seus palavrões e festas, e fiz "O Estrangeiro Louco".

terça-feira, 11 de abril de 2017

Bem-vindos aos Balcãs! Compartilhando vivências: Workshop sobre danças folclóricas balcânicas com Paola Blanton.

Bem-vindas aos Balcãs!!

Com essa frase, a bailarina Paola Blanton fez nossas cabeças realizarem uma viagem astral para outra parte do mundo e nossos pés se conectarem ao chão, sentindo o poder da ancestralidade presente nos ensinamentos daqueles dias.


Nos dias 25 e 26 de abril, em Brasília, foi realizado o Workshop com a bailarina nascida na Macedônia, Paola Blanton. Foram 7 horas de aulas sobre danças folclóricas balcânicas e um show com apresentações de dança do ventre, tribal e cigana, além de, claro, da própria Paola.

Todo esse evento foi organizado por Aris Medrei em seu Estúdio de Danças. Um espaço onde me senti acolhida, percebendo o verdadeiro sentido de uma escola de dança: além de ser um local de transferência de conhecimento, é um local de florescimento de empatia, amizade e troca de energia entre alunas e professoras. Fiquei impressionada com a organização de todo o evento, com a recepção calorosa das outras meninas que fizeram o workshop e dançaram na noite do sábado e com a quantidade de atividades que serão realizadas ao longo do ano neste local. (Para mais informações: https://www.facebook.com/ArisMedreiEstudioDeDanca/?fref=ts )

Agora, indo para os Balcãs... 

O enriquecimento não foi apenas técnico, mas também (e principalmente) cultural. Essa é uma região que sempre tive dificuldade de compreender, me aprecia tudo muito confuso (ainda parece um pouco... rsrs) e minha atenção só se voltava mais para a Turquia. Inclusive para escrever esse post, saí pesquisando vídeos e textos e vi que o material encontrado em idiomas que estamos mais familiarizados, é escasso. 

A Península Balcânica está localizada geograficamente na região sudeste do continente europeu (Europa Meridional). Em seu território estão localizados os chamados países balcânicos (que possuem a maior parte do território na península): Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Grécia, Croácia, Sérvia, Montenegro e República da Macedônia. Também se encontram nesta península o território de Kosovo (autoproclamado independente) e parte do território dos seguintes países: Turquia (parte europeia), Eslovênia, Romênia e Ucrânia.[1] No workshop foram ensinados passos de danças da Macedônia, Sérvia e Grécia.




Podemos considerar os Bálcãs, há muitos séculos, como uma das regiões mais complicadas da Europa. Uma série de conflitos marca a história da região, sendo que o último episódio, a independência de Kosovo (que se separou da Sérvia), em fevereiro de 2008.
A localização geográfica da Península Balcânica nos ajuda a entender muito do processo histórico dessa região: situada no sudeste europeu, essa península é um dos principais caminhos entre a Ásia e a Europa. 
Ali, as culturas ocidental e oriental - e seus respectivos interesses políticos e econômicos - chocaram-se diversas vezes.[2]
A mistura, no mesmo território, de populações diversas etnicamente, com línguas, costumes e religiões diferentes, fez com que o nacionalismo se tornasse um causador perene de guerras.
Esses aspectos são importantes para a compreensão da mistura de sonoridades que foi apresentada no workshop e os significados de alguns passos. Apesar do caráter festivos da maioria dos movimentos passados, a herança histórica de resistência e de defesa territorial é marcante em algumas movimentações e músicas.



 Sentimos os pés...

Houve um primeiro estranhamento com relação às batidas dos pés no chão e ao trabalho com as pernas, já que minha zona de conforto está nos movimentos de tribal e ventre, ou seja, da região pélvica para cima, mas reconheci muita semelhança entre os passos ensinados e algumas danças folclóricas brasileiras com as quais já tive algum contato, como o caboclinho e o cavalo-marinho (apesar de serem danças esteticamente bem diferentes, há movimentações de pernas semelhantes).






Fiquei emocionada com o amor da Paola por suas origens, o orgulho de ter aprendido tudo aquilo dentro das próprias comunidades. 
Quanto  à forma como as aulas foram conduzidas, percebi que havia uma grande preocupação da Paola em criar uma conexão entre as alunas a partir de práticas formando figuras universais, como o círculo e a espiral. Isso deve-se ao fato de que nessas danças, a noção de pertencimento ao grupo é essencial, sendo uma celebração da qual podem participar pessoas de diferentes gêneros e faixas etárias. 


Houve uma grande preocupação da Paola em fazer a distinção entre a dança tradicional, dançada em grupo, nas ruas, em festas do cotidiano desses povos, como casamentos, e a dança apresentada em palco, onde são feitas algumas fusões e adaptações com o objetivo de mostrar ao público. Como exemplo do primeiro caso, encontrei esses vídeos, que mostram a diversidade das pessoas que podem dançar em um roda e a alegria contagiante dessas manifestações.

Este é um vídeo que a bailarina de danças orientais Laylah (que estava participando do workshop) gravou em sua viagem à Macedônia (Gratidão! Estava ficando confusa de tanto procurar imagens legais de casamentos de lá e achar um monte de coisa com explicações em línguas estranhas hahha):


Este é de uma comunidade grega de Ottawa, em flash mob no mercado Byward para o The 2011 Ottawa Greek festival:

Nesses vídeos, e também pelo que foi falado no workshop, percebemos que quando as pessoas dançam juntas, em roda, precisam olhar umas para as outras, criar uma conexão entre seus movimentos com os movimentos de quem está ao seu lado, pois em uma mesma roda pode ter um jovem que dança com muita energia, e uma idosa, que já faz os passos de forma mais lenta ou mais contida. É desenvolvido, portanto, um espírito de grupo. A partir da dança se trabalha a união, o respeito e a organicidade de uma comunidade.

O Show...

No show do sábado, dia 25, professoras e alunas do Espaço Aris Medrei se apresentaram com danças ciganas, árabes e fusões. Os convidados, além de assistirem a apresentações de qualidade, tiveram o prazer de degustar um buffet árabe e de terminar a noite com uma deliciosa roda de dabke. Foi contagiante!

Eu agradeço muito à organização pela oportunidade de dançar também e trocar energia com aquelas pessoas maravilhosas. Aproveitei para apresentar minha fusão com dança cigana turca (a coreografia do vídeo que está no post passado).

OPAA!! Foi realmente uma festa! E as apresentações da Paola Blanton, de uma beleza que só vendo: 






[2] http://educacao.uol.com.br/geografia/europa-mapa.jhtm

domingo, 2 de abril de 2017

“Se ela quiser seguir na dança, vai precisar emagrecer”.





Em uma noite de domingo, depois de muitas cervejas com a família, fiquei sabendo que umas conhecidas de uma conhecida minha (nunca subestime o poder que a bebida internet tem de conectar as pessoas), ao assistiram um vídeo meu no youtube, fizeram um comentário cruel, que me levou a pensar seriamente sobre o tema e criar uma série de conexões.
Se ela quiser seguir na dança, vai precisar emagrecer”.
Tomei até um susto porque, apesar de, na época, estar insatisfeita com meu corpo e com as mudanças pelas quais ele passou nos últimos anos (na verdade, eu estava insatisfeita com os últimos anos e isso estava e o meu corpo estava refletindo esse sentimento), nunca me considerei gorda, tendo até vergonha de ficar reclamando das minhas medidas, por achar que meu corpo apenas não se enquadra nos padrões de beleza vigentes. Além disso, há um ponto que para mim parecia óbvio: não há um corpo ideal para a dança. Momentos depois, percebi que não é tão óbvio assim, inclusive para mim. Provavelmente muitas mulheres não se permitem nem experimentar a dança por não se encaixarem nos padrões de beleza estabelecidos. Lembrei de quantas vezes ouvi, de amigos e familiares, comentários maldosos e sarcásticos, sobre mulheres mais velhas e/ou gordas que dançavam nos mesmos eventos que eu. Admito que sempre fui muito desatenta a questões que envolvem gordofobia na dança. Me consolo com a desculpa de que era muito ingênua para pensar que a dança, principalmente a dança do ventre, não escapasse da tirania da corporeidade perfeita que assola nossa sociedade.
O corpo é também capital. E na sociedade de imagens, uma poderosa moeda de troca. Os apelos estão em toda parte. Na mídia, nas vitrines, no mundo virtual, nas conversas. Os olhares são de cobrança. ‘É preciso ser belo’! E para isso ter um corpo magro, esbelto e sarado”.1
Essa foi a preocupação da bailarina Carol Andrade, que em 2015, em Pernambuco, apresentou o espetáculo “Que Corpo é Esse?”, expondo a pressão social pela qual passava e levando o público a pensar, discutir e desconstruir o estereótipo da bailarina com medidas mínimas.


Cena do espetáculo “Que Corpo é Esse?”. Retirada do site:
<http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/2015/05/27/danca-questiona-padroes-de-beleza>
"O trabalho começou em abril de 2014, como uma inquietação minha. Nas viagens com a companhia de dança que participo, fui percebendo que as pessoas nunca achavam que eu era bailarina, pensavam que era da equipe técnica, porque meu corpo não é como o das outras bailarinas. Fui observando que existe um estereótipo da bailarina magrinha e que quando eu dizia que era professora de dança as pessoas olhavam de forma diferente"2, contou Andrade.
Essa não é uma questão recente e talvez seja uma das mais presentes no cotidiano e na carreira das bailarinas e dos bailarinos. No artigo Do Ventre ao Corpo: Considerações sobre corporeidade, dança do ventre e gênero, Cínthia Nepomuceno e Roberta Matsumoto fazem um pequeno resgate histórico da relação entre corpo perfeito e dança.
Os intérpretes profissionais de dança, desde o surgimento dos primeiros professores dessa área, quando da fundação da Academia Real de Dança, na França, em 1961 (moura, 2000: p. 81), eram tratados como instrumentos, cujos corpos necessitavam ser treinados e educados para que pudessem responder às necessidades das composições coreográficas. Essa visão vem sendo questionada e a figura do bailarino passou a ser, recentemente, valorizada como agente da dança, um ser que pode contribuir como cocriador, junto ao coreógrafo, um ser capaz de pensar, expressar e sentir”.3
Nos últimos tempos, com a facilidade de divulgação pelas redes sociais, algumas pessoas chamaram a atenção por romperem estereótipos nas atividades relacionadas a corpo. Os vídeos da norte-americana Lizzy Howell, por exemplo, tiveram mais de 100 mil visualizações, impressionando as mentes condicionadas a pensar que o ballet é apenas para pessoas magras. A jovem, que começou a dançar aos cinco anos, faz movimentos complexos, como, por exemplo, uma série realizando onze fouettes em sequência.


Outro belíssimo exemplo de ruptura com os padrões estéticos é o do grupo cubano "Danza Voluminosa" que se apresenta desde 1996, desafiando os padrões tradicionais da modalidade. Seu criador, Juan Miguel, formado em dança contemporânea, fez pesquisas sobre corpos volumosos para que se movam "esteticamente melhor", para "fazê-los render a partir destas características", buscando movimentos perfeitos adaptados a pessoas obesas. Nossas danças "não serão iguais às danças das pessoas magras porque temos outro peso, outro estado físico", explicou. O "Danza Voluminosa" se apresentou várias vezes pelo país caribenho, gerando reações diversas.
 Nas "primeiras apresentações, havia um silêncio sepulcral. Alguns se levantavam e iam embora e alguns riam (...), mas quando as pessoas viram o desenvolvimento do nosso trabalho, como era forte e que havia por trás de tudo um treino, um senso estético, no final aplaudiam muito", lembra Juan. "Conseguimos ganhar um público", completa.4
É lamentável que pessoas deixem de experimentar outra prática que, além de trabalhar alongamento e fortalecimento de forma completa, é libertadora e ajuda no processo de autoconhecimento e na cura integral: a yoga. As imagens de senhores indianos colocando o pé por trás da cabeça já estão presentes no imaginário da maior parte das pessoas quando ouvem falar de yoga. Acrescente-se a isso a massiva propaganda nas redes sociais de famosos e famosas com corpos esbeltos e definidos, em posições extraordinárias, desfrutando de paisagens paradisíacas. O resultado acaba sendo o medo e o desinteresse das pessoas em experimentar tais exercícios por sentirem-se impossibilitadas de realizar algo semelhante. A yogini Dana Falsette tem um trabalho que também rompe com esse clichê e, em seu site, há um depoimento inspirador sobre a sua trajetória:


Dana Falsette. Retirada de seu site oficial: <http://danafalsetti.com/>
Eu sei que a yoga veio como um último recurso. Eu estava perdida, à procura de alguma coisa, e eu acho que em última análise, essa coisa era a paz. Paz e liberdade que, eventualmente, veio de um lugar de auto-estima. Lembro-me bem minha primeira aula. Eu tinha o maior corpo da sala, além de ser novata. A yoga foi difícil. Eu não conseguia ficar na posição “cachorro olhando para baixo” durante 5 respirações. Meus ombros estavam em chamas e todo o tempo parecia que para os outros não era grande coisa. Lembro-me de pensar que nunca o faria e nunca poderia ser eu. Eu pensei que meu corpo iria limitar minha prática, mas eu aprendi que só a minha mente estabelece limites.”5

O estabelecimento de padrões para a prática de linguagens corporais faz parte de uma história de violência empreendida contra o corpo. Possue a função de condicionar o corpo e a mente para determinados tipos de atividades consideradas “produtivas” e alimentar uma indústria de remédios, de alimentos e de intervenções cirúrgicas. É lucrativo vender remédios e cirurgias e fazer as pessoas pensarem que apenas com 20 quilos a menos poderão praticar exercícios e liberarem endorfina e dopamina. Chamo esse conjunto de remédios que colocam as pessoas dentro dos padrões como a indústria da insatisfação. A dança, a yoga, os esportes de maneira geral libertam. E a liberdade não é lucrativa.

(Nos dias atuais, as doenças físicas e psíquicas causadas pelo sedentarismo chegaram a um nível oneroso para a sistema. A depressão está entre as principais causas de impedimento para o trabalho e a obesidade tornou-se um problema de saúde pública. Vemos, portanto, uma leve mudança na forma de tratar o corpo, mas esse já é outro assunto...)

Em tempos de ditadura da beleza, o corpo é massacrado pela indústria e pelo comércio, que vivem da nossa isegurança, impotência e angústia” - Paulo Moreira Leite.
A dança do ventre poderia representar um caminho de resistência a essas limitações psicologicamente impostas.
Em sua gênese, essas danças [orientais] dão tratamento diferenciado ao corpo: na dança do vente, o corpo é sagrado, o princípio feminino é expresso em cada movimento e nas formas do corpo. Os atributos físicos femininos relacionados à mulher são exacerbados: quadros largos, curvas dos seios, movimentos que evidenciem as parte relacionada à procriação.” 6
Mas, no geral, o que se percebe é que ela não está muito distante de outras linguagens corporais, no que se refere à liberdade estética. Passei por muitos desafios quando praticava dança do ventre, principalmente quando comecei a fazer parte de uma companhia de dança. De repente, aos 16 anos, eu descobri que era uma pessoa com muitas falhas: Meu cabelo era seco demais, minhas unhas encravadas e nunca estavam feitas, minhas sobrancelhas eram “complicadas”, cheias de falhas, meu rosto cheio de espinhas, meus seios eram pequenos... Foram tantas coisas que hoje eu olho minhas fotos e penso como eu conseguia me achar bonita. Sim, fui picada pelo vírus tirano do padrão de beleza. E quando eu acho que está tudo certo... descubro que sou “gorda”. No momento em que escrevo isso, estou com vontade de rir de tão absurdas que são as pressões de uma vida inteira sobre o corpo de uma mulher, mas em cada situação dessa, só consegui chorar ao olhar para o espelho. Até que conheci o Tribal Fusion (em 2008) e vi naquele estilo uma libertação dos padrões. Uma linguagem que abraça as diferenças e que aceita as individualidades, já que, como bem sintetizou a bailarina, professora e pesquisadora em dança Joline Andrade, [o tribal] “surge como proposta de agregar diferentes manifestações e matrizes de danças tradicionais do mundo, e busca mesclar referências e matrizes de danças tradicionais e transpô-las numa estética contemporânea atualizada”.7
 

Acredito que para alguém que esteja mais envolvido pelo estereótipo da bailarina do ventre, estilo clássico (quanto mais “barbie”, melhor), os vídeos do Fat Chance Bellydance são uma espécie de choque estético. Assistir a diversidade de corpos e idades vista em praticamente todas as apresentações é, para mim, como respirar um ar menos poluído de tantas exigências sobre nossos corpos. O nome do grupo, apesar de não ter a ver com o fato das participantes serem gordas ou magras, traz uma forte crítica aos estereótipos e leva a um olhar diferente sobre o que é apresentado: “Fat Chance” é uma expressão que significa “sem chance”. Carolena Nericcio (criadora do grupo) escolheu este nome para lutar contra o estereótipo de que as bailarinas de dança do ventre são também mulheres fáceis. Caso alguém peça uma dança “particular”, o nome do grupo é a resposta: Fat Chance (sem chance). Essa postura diante do público abre o caminho para que as bailarinas assumam e tenham orgulho de seus corpos e de seu estilo, já que não têm a dança como instrumento de sedução, ou seja, não possuem nenhuma obrigação de se encaixar na expectativa do mercado.

Tudo isso é muito lindo, mas seria hipocrisia da minha parte dizer que não fiquei (muito!) triste quando soube dos comentários a meu respeito, pois estava passando por um período de crise com meu corpo. Inclusive, há pouco tempo entrei na academia com o objetivo de voltar a ter o corpo que tinha há uns cinco anos. Nossos corpos são diariamente violentados. Comentário maldosos nos corredores do trabalho, nas redes, nas festas... seja para reverenciar as curvas como um excesso de carnes potencialmente gostosas, seja para análise milimétricas sobre cada mudança em nossas medidas. Somos bombardeadas por um padrão e é difícil se desvencilhar disso. Também confesso que é difícil assumir que, mesmo defensora da liberdade das mulheres, não consigo ser mais gentil com meu próprio corpo. “Aprendi que nossa insegurança vendem que padrões de beleza são construções sociais, aprendi horrores. Sei muito na teoria, mas na p´ratica. Ah! Como é difícil!”8
Mesmo no tribal, os padrões não foram completamente desconstruídos e o modelo Rachel Brice de beleza ainda está em voga. Ainda vejo uma cobrança para que as bailarinas de tribal fusion sejam magras, “estilosas”, super flexíveis. Nos workshops de ATS, celebramos a sororidade, mas nos bastidores, ainda enaltecemos aquelas bailarinas que têm corpos maravilhosos.
Felizmente, campanhas publicitárias e movimentos sociais batem nesta tecla cada vez mais, valorizando as diferenças e pregando a felicidade e o amor ao próprio corpo, seja lá como ele for. Para quem dança e vive em contato com a própria imagem em vídeos, fotos ou no espelho, mexendo com pontos do nosso corpo que trazem emoções passadas, traumas ou enaltece o ego e a vaidade, essa pode se tornar uma questão mais complexa. Se a sociedade cria as meninas para odiarem seus corpos, o papel das professoras de dança do ventre/tribal é fundamental na desconstrução desses valores e no cultivo de gentileza e sororidade. Muitas já estão trabalhando nesse caminho, mas algumas histórias que fico sabendo de vez em quando me assustam. Muito feliz fico em saber dos exemplos bons, mas enquanto uma única mulher se sentir gorda e deslocada em uma aula de dança do ventre ou de tribal fusion, acredito na importância dessa preocupação. Com a pretensão mais de questionar e fazer pensar do que de dar fórmulas prontas para “ser feliz e empoderada do jeito que é”, essa reflexão leva a uma preocupação pessoal diária se não estou me analisando e observando os outros com esse olhar padronizado. Como, em nossa prática e em nossa vida, nadamos contra essa corrente de corpos perfeitos na dança? O que podemos fazer para tornar essa linguagem ainda mais receptiva e libertadora?

A propósito, o vídeo que levou a todo esse processo foi esse daqui: 



Esse dia foi tão especial, tão lindo e eu estava com uma força tão grande (apesar do problema que tive com o bustiê, que queria me deixar pelada no palco rsrs), que não sei como não tive coragem de mostrar pra mais gente esse vídeo e não fui capaz de amá-lo assim que o vi, como estou amando agora...
1 Dança questiona padrões de beleza. Postado em 27 de maio de 2015 por Ivana Moura. Disponível em: <http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/2015/05/27/danca-questiona-padroes-de-beleza>
2 Padrões de beleza são questionados em espetáculo em Petrolina, PE.Publicado em 29 de maio de 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2015/05/padroes-de-beleza-sao-questionados-em-espetaculo-em-petrolina-pe.html>
3 NEPOMUCENO, C. ; MATSUMOTO, R. K. . Do Ventre ao Corpo: considerações sobre corporeidade, dança do ventre e gênero.. CoMA , v. 1, p. 59-66, 2004.
4 Em Cuba, dançarinas "plus size" ganham aulas de ballet clássico. Publicada em 19 de janeiro de 2016. Disponível em: < http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/Variedades/2016/1/577347/Em-Cuba,-dancarinas-plus-size-ganham-aulas-de-ballet-classico>
5 A Letter From Me. Dana Fasette. Disponível em: <http://danafalsetti.com/>
6 MOURA, Kátia Cristina Figueiredo de. Essas Bailarinas Fantásticas e Seis Corpos Maravilhosos: existe um corpo ideal para a dança? Campina, 2001. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, UNICAMP. P. 187.
7 ANDRADE, Joline T. A. Processos de hibridação na dança tribal: estratégias de transgressões em tempos de globalização contra hegemônica. Salvador, 2011. Monografia apresentada no curso lato senso da Universidade Federal da Bahia. Pág. 13
8 “Confesso: sou feminista mas não consigo amar meu corpo”. Postado em 12 de janeiro de 2017 po.... Disponível em: <http://azmina.com.br/2017/01/confesso-sou-feminista-mas-nao-consigo-amar-meu-corpo/>