Há experiências que mudam mágica
e completamente a vida de uma pessoa. Há alguns meses que venho tendo
experiências assim e essa dança foi inspirada na mais forte de todas: no
contato com o Divino através da Ayahuasca. Não consigo, com palavras, explicar o que
aconteceu, mas uma imagem materializou uma parte dessas sensações.
Um dos maiores questionamentos
que eu tinha me fez pedir orientação na cerimônia na qual tomei o chá.
Perguntei se a dança faz parte da minha vida por uma questão de ego, apenas
para exibição, ou se é realmente algo que faz parte do meu Ser. A beleza da
resposta ainda é emocionante e ainda choro de alegria ao lembrar da dança de
pavões em minha volta e do final da resposta que me foi dada: a dança da Deusa.
Em um momento da cerimônia
começou a tocar a música Tupinambá, do grupo Mantric Mambo e algumas mulheres
ali presentes começaram a dançar. Uma delas fez meu ser transbordar de
felicidade. Aquela mulher dançando, com aquela força e aquela sensualidade, foi
uma das coisas mais lindas que já vi em minha vida. Era uma Deusa dançando... e
aquilo tudo mudou radicalmente minha forma de dançar também.
Decidi me apresentar com essa música no
evento Tribalize, que ocorreu em Brasília, no dia 15 de abril e foi organizado
pelo grupo Clann (Raisa Latorraca, Amanda Zayek e Gabi Ribeiro). Precisava de
uma música “feliz” e essa me veio no momento em que recebi essa orientação. O
engraçado é que fiz a coreografia muito rápido, tudo fluiu... Inclusive decidi
fazer um movimento que a última vez que havia feito foi quando tinha 17 anos... Inventei
de treiná-lo um dia antes da apresentação e dancei com a pernas queimando, mas,
como aquilo, pra mim, era uma celebração, foi perfeito! Senti um pouco daquela
força que vi na mulher/Deusa.
A minha gratidão é profunda!
Minha dança não é mais a mesma depois daquela cerimônia. Apesar de não ter
feito algumas coisas que havia treinado, não saí com aquela sensação de que
algo havia faltado. Já saí de muitas apresentações pensando: “errei tal parte da
coreografia”, “devia ter treinado mais”, “fiquei nervosa”, “foi uma bosta...”. O
meu ego me destruía a cada apresentação e agora está diferente, pois, usando
uma frase que ouvi muito durante a Imersão que fiz no carnaval (e onde tive essa experiência fantástica): tudo é perfeito!
A cultura cigana causa fascínio e curiosidade, mas a diversidade de povos e elementos culturais compreendidos pela palavra “cigano”, até pela falta de registros escritos desses povos ágrafos (de tradição oral), é de difícil compreensão.
O elo histórico que há entre os pés batendo na areia do deserto e os sapateados nas ruas da Espanha, por exemplo, é revelado, de forma poética, pelo filme Latcho Drom, de 1993.
Latcho Drom, que significa “Boa Estrada”, mistura de documentário e musical, assume a forma de viagem que, durante um ano, do verão ao outono e do inverno à primavera, acompanha diversos grupos nômades, desde a Índia até a Espanha, passando pela Turquia, Romênia, Hungria, República Tcheca, Alemanha e França, mostrando as mudanças e as permanências verificadas nas formas de expressão desses diferentes grupos.
Diferentemente do modelo de sociedade contemporânea ocidental - que associa as artes aos momentos de lazer dos finais de semana e possui uma visão mercadológica da música - para os ciganos, esta é protagonista, estando presente em todos os momentos da vida, guiando os grupos pelas estradas, expressando alegria e unindo as pessoas.
Pode celebrar a vida, mas também ser uma lamentação. Um dos episódios mais tristes de nossa história é relembrado pelo filme: o massacre nazista que dizimou milhares de ciganos nos campos de concentração. É emocionando a forma como ele termina, denunciando/exorcizando os crimes e preconceitos sofridos ao longo dos séculos.[1]
A música e a dança fazem parte do cotidiano desses povos. Homens e mulheres dançam, cantam e tocam. É como se estas fossem a linguagem universal, que liga povos que não falam as mesmas línguas e fazem parte de contextos completamente diferente. Tanto que mal há falas no filme, não sendo necessário de legendas para o entender. Nós damos tanta importância a palavras e explicações, que isso pode parecer estranho e muitas pessoas podem não ter paciência para uma obra desse estilo. Por isso, considero também um bom exercício de desconstrução.
A cena da ghawaaze que, após dançar, pega um bebê no colo e começa a amamentá-lo enquanto os outros, naturalmente, continuam conversando, cantando, tocando e dançando, talvez seja a que mais cause estranhamento quando pensamos o quanto somos acostumados com o barulho desordenado das cidades e o quanto nossos movimentos corporais cotidianos são limitados e domesticados em prol de uma produção mecânica para o sistema. Talvez por uma herança do cristianismo,para nós (de maneira geral), o prazer e a festa são encarados por nossa sociedade como algo pouco evoluído, sujo, um pecado. A mulher, mãe, tem seu papel definido na sociedade. Há uma contraposição entre seriedade e festa, entre digno e vulgar e a mulher dançando ocupa a primeira categoria.
Apesar das perseguições e do preconceito, os povos ciganos resistiram e o que conhecemos como cultura cigana não corresponde a uma forma de expressão morta, mas está sempre sendo transmitida para as novas gerações e sendo renovada. É, portanto, nas crianças onde as tradições encontram essa possibilidade de continuidade. Observando e imitando os adultos, o filme mostra como as crianças ciganas crescem com o sentimento de pertencimento ao grupo e como, através da mímeses e a partir do ensinamento dos mais velhos, absorvem os passos de danças e a forma de tocar os instrumentos. O tempo todo o filme mostra a presença de diferentes gerações participando dos rituais culturais das comunidades, o que me fez pensar em grupos que mantém suas tradições no Brasil - como os grupos de maracatu, por exemplo - e me questionar se também há, entre os jovens que nascem nesses locais, esse sentimento de pertencimento e esse desejo de manter vivas suas raízes...
Ao ver o filme, também fiz uma associação com esse movimento de retorno às nossas raízes, a nossa ancestralidade, que está ocorrendo principalmente entre as jovens de classe média do Brasil (realmente nãos sei se ocorre o mesmo em outros lugares, mas é um fenômeno que estou percebendo como crescente por aqui). A reverência ao Sagrado Feminino, a maior atenção às terapias holísticas, a procura por tornar a dança um ritual sagrado, entre outras "modas saudáveis" são frutos de anos de repressão (principalmente sexual) e de afastamento de tudo o que tem a ver com o corpo e com o feminino. Nesse escopo, está também o desejo de se reconectar à natureza. Todos esses elementos que sentimos falta, o filme evidencia como integrantes das culturas ciganas. A natureza, por exemplo, não é apenas cenário. Faz parte do elenco, sendo protagonista em músicas e dançando junto com as pessoas, como em uma cena em que folhas secas dançam guiadas pelo vento.
Sobre o diretor...
O diretor, Tony Gatlif, nasceu na Argélia, em 10 de setembro de 1948. Filho de pais franceses, Michel Dahamani – seu nome verdadeiro – é descendente de ciganos romenos, povo sobre o qual pautou a maioria de seus 16 filmes (não apenas os dirige e os escreve, como também é responsável pela trilha musical).
Ainda quero ver os outros dois filmes seus que formam uma trilogia sobre o povo cigano: “Os príncipes” e "O Estrangeiro Louco". Abaixo está uma resposta sua, em uma entrevista à Folha[2], sobre esses filmes
Tony Gatlif - Com "O Estrangeiro Louco", concluo tudo o que tinha para contar sobre os ciganos. Para fazer "Os Príncipes", contei tudo que de pejorativo vivi, desde a infância. Em "Latcho Drom", expliquei de onde vêm os ciganos, desde a Índia até a Andaluzia, por meio da música. Estava faltando contar como era a vida dos ciganos, com seus palavrões e festas, e fiz "O Estrangeiro Louco".
Com essa frase, a bailarina Paola
Blanton fez nossas cabeças realizarem uma viagem astral para outra parte do
mundo e nossos pés se conectarem ao chão, sentindo o poder da ancestralidade
presente nos ensinamentos daqueles dias.
Nos dias 25 e 26 de abril, em Brasília, foi realizado o Workshop com a
bailarina nascida na Macedônia, Paola Blanton. Foram 7 horas de aulas sobre
danças folclóricas balcânicas e um show com apresentações de dança do
ventre, tribal e cigana, além de, claro, da própria Paola.
Todo esse evento foi organizado
por Aris Medrei em seu Estúdio de Danças. Um espaço onde me senti acolhida, percebendo
o verdadeiro sentido de uma escola de dança: além de ser um local de transferência de
conhecimento, é um local de florescimento de empatia, amizade e troca de energia entre alunas e professoras. Fiquei impressionada com a organização de todo o evento, com a
recepção calorosa das outras meninas que fizeram o workshop e dançaram na noite
do sábado e com a quantidade de atividades que serão realizadas ao longo do ano
neste local. (Para mais informações: https://www.facebook.com/ArisMedreiEstudioDeDanca/?fref=ts )
Agora, indo para os Balcãs...
O enriquecimento não foi
apenas técnico, mas também (e principalmente) cultural. Essa é uma região que
sempre tive dificuldade de compreender, me aprecia tudo muito confuso (ainda
parece um pouco... rsrs) e minha atenção só se voltava mais para a Turquia. Inclusive para escrever esse post, saí pesquisando vídeos e textos e vi que o material encontrado em idiomas que estamos mais familiarizados, é escasso.
A Península
Balcânica está localizada geograficamente na região sudeste do continente
europeu (Europa Meridional). Em seu território estão localizados os chamados
países balcânicos (que possuem a maior parte do território na península):
Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Grécia, Croácia, Sérvia, Montenegro e
República da Macedônia. Também se encontram nesta península o território de
Kosovo (autoproclamado independente) e parte do território dos seguintes
países: Turquia (parte europeia), Eslovênia, Romênia e Ucrânia.[1] No workshop
foram ensinados passos de danças da Macedônia,
Sérvia e Grécia.
Podemos considerar os Bálcãs, há
muitos séculos, como uma das regiões mais complicadas da Europa. Uma série de
conflitos marca a história da região, sendo que o último episódio, a
independência de Kosovo (que se separou da Sérvia), em fevereiro de 2008.
A
localização geográfica da Península Balcânica nos ajuda a entender muito do
processo histórico dessa região: situada no sudeste europeu, essa península é
um dos principais caminhos entre a Ásia e a Europa.
Ali, as culturas ocidental
e oriental - e seus respectivos interesses políticos e econômicos - chocaram-se
diversas vezes.[2]
A mistura, no mesmo território, de populações diversas etnicamente, com línguas,
costumes e religiões diferentes, fez com que o nacionalismo se tornasse um
causador perene de guerras.
Esses aspectos são importantes para
a compreensão da mistura de sonoridades que foi apresentada no workshop e os significados
de alguns passos. Apesar do caráter festivos da maioria dos movimentos
passados, a herança histórica de resistência e de defesa territorial é marcante
em algumas movimentações e músicas.
Sentimos os
pés...
Houve um primeiro estranhamento com relação às batidas
dos pés no chão e ao trabalho com as pernas, já que minha zona de conforto está
nos movimentos de tribal e ventre, ou seja, da região pélvica para cima, mas
reconheci muita semelhança entre os passos ensinados e algumas danças
folclóricas brasileiras com as quais já tive algum contato, como o caboclinho e
o cavalo-marinho (apesar de serem danças esteticamente bem diferentes, há
movimentações de pernas semelhantes).
Fiquei emocionada com o
amor da Paola por suas origens, o orgulho de ter aprendido tudo aquilo dentro
das próprias comunidades.
Quanto à forma como as aulas foram
conduzidas, percebi que havia uma grande preocupação da Paola em criar uma
conexão entre as alunas a partir de práticas formando figuras universais, como
o círculo e a espiral. Isso deve-se ao fato de que nessas danças, a noção de
pertencimento ao grupo é essencial, sendo uma celebração da qual podem
participar pessoas de diferentes gêneros e faixas etárias.
Houve uma grande preocupação
da Paola em fazer a distinção entre a dança tradicional, dançada em grupo, nas
ruas, em festas do cotidiano desses povos, como casamentos, e a dança
apresentada em palco, onde são feitas algumas fusões e adaptações com o
objetivo de mostrar ao público. Como exemplo do primeiro caso, encontrei esses
vídeos, que mostram a diversidade das pessoas que podem dançar em um roda e a alegria contagiante dessas manifestações.
Este é um vídeo que a
bailarina de danças orientais Laylah (que estava participando do workshop)
gravou em sua viagem à Macedônia (Gratidão! Estava ficando confusa de tanto
procurar imagens legais de casamentos de lá e achar um monte de coisa com
explicações em línguas estranhas hahha):
Este é de uma
comunidade grega de Ottawa, em flash mob no mercado Byward para o The 2011
Ottawa Greek festival:
Nesses vídeos, e também
pelo que foi falado no workshop, percebemos que quando as pessoas dançam juntas,
em roda, precisam olhar umas para as outras, criar uma conexão entre seus movimentos com os movimentos de quem está ao seu lado, pois em uma mesma roda pode
ter um jovem que dança com muita energia, e uma idosa, que já faz os passos de
forma mais lenta ou mais contida. É desenvolvido, portanto, um espírito de
grupo. A partir da dança se trabalha a união, o respeito e a organicidade de
uma comunidade.
O Show...
No show do sábado, dia 25,
professoras e alunas do Espaço Aris Medrei se apresentaram com danças ciganas,
árabes e fusões. Os convidados, além de assistirem a apresentações de
qualidade, tiveram o prazer de degustar um buffet árabe e de terminar a noite
com uma deliciosa roda de dabke. Foi contagiante!
Eu agradeço muito à
organização pela oportunidade de dançar também e trocar energia com aquelas
pessoas maravilhosas. Aproveitei para apresentar minha fusão com dança cigana
turca (a coreografia do vídeo que está no post passado).
OPAA!! Foi realmente uma
festa! E as apresentações da Paola Blanton, de uma beleza que só vendo:
Em
uma noite de domingo, depois de muitas cervejas com a família,
fiquei sabendo que umas conhecidas de uma conhecida minha (nunca
subestime o poder que a bebida
internet tem de conectar as pessoas), ao assistiram um vídeo meu no
youtube, fizeram um comentário cruel, que me levou a pensar
seriamente sobre o tema e criar uma série de conexões.
“Se
ela quiser seguir na dança, vai precisar emagrecer”.
Tomei
até um susto porque, apesar de, na época, estar insatisfeita com
meu corpo e com as mudanças pelas quais ele passou nos últimos anos
(na verdade, eu estava insatisfeita com os últimos anos e isso
estava e o meu corpo estava refletindo esse sentimento), nunca me
considerei gorda, tendo até vergonha de ficar reclamando das minhas
medidas, por achar que meu corpo apenas não se enquadra nos padrões
de beleza vigentes. Além disso, há um ponto que para mim
parecia óbvio: não há
um corpo ideal para a dança.
Momentos depois, percebi que não é tão óbvio assim, inclusive
para mim. Provavelmente muitas mulheres não se permitem nem
experimentar a dança por não se encaixarem nos padrões de beleza
estabelecidos. Lembrei de quantas vezes ouvi, de amigos e familiares,
comentários maldosos e sarcásticos, sobre mulheres mais velhas e/ou
gordas que dançavam nos mesmos eventos que eu. Admito
que sempre fui muito desatenta a questões que envolvem gordofobia
na dança. Me consolo com a desculpa de que era muito ingênua para
pensar que a dança, principalmente a dança do ventre, não
escapasse da tirania da corporeidade perfeita que assola nossa
sociedade.
“O
corpo é também capital. E na sociedade de imagens, uma poderosa
moeda de troca. Os apelos estão em toda parte. Na mídia, nas
vitrines, no mundo virtual, nas conversas. Os olhares são de
cobrança. ‘É preciso ser belo’! E para isso ter um corpo magro,
esbelto e sarado”.1
Essa
foi a preocupação da bailarina Carol Andrade, que em 2015, em
Pernambuco, apresentou o espetáculo “Que Corpo é Esse?”,
expondo a pressão social pela qual passava e levando o público a
pensar, discutir e desconstruir o estereótipo da bailarina com
medidas mínimas.
Cena do espetáculo “Que Corpo é Esse?”. Retirada do site:
"O
trabalho começou em abril de 2014, como uma inquietação minha. Nas
viagens com a companhia de dança que participo, fui percebendo que
as pessoas nunca achavam que eu era bailarina, pensavam que era da
equipe técnica, porque meu corpo não é como o das outras
bailarinas. Fui observando que existe um estereótipo da bailarina
magrinha e que quando eu dizia que era professora de dança as
pessoas olhavam de forma diferente"2,
contou Andrade.
Essa
não é uma questão recente e talvez seja uma das mais presentes no
cotidiano e na carreira das bailarinas e dos bailarinos. No artigo Do
Ventre ao Corpo: Considerações sobre corporeidade, dança do ventre
e gênero,
Cínthia Nepomuceno e Roberta Matsumoto fazem um pequeno resgate
histórico da relação entre corpo perfeito e dança.
“Os
intérpretes profissionais de dança, desde o surgimento dos
primeiros professores dessa área, quando da fundação da Academia
Real de Dança, na França, em 1961 (moura, 2000: p. 81), eram
tratados como instrumentos, cujos corpos necessitavam ser treinados e
educados para que pudessem responder às necessidades das composições
coreográficas. Essa visão vem sendo questionada e a figura do
bailarino passou a ser, recentemente, valorizada como agente da
dança, um ser que pode contribuir como cocriador, junto ao
coreógrafo, um ser capaz de pensar, expressar e sentir”.3
Nos
últimos tempos, com a facilidade de divulgação pelas redes
sociais, algumas pessoas chamaram a atenção por romperem
estereótipos nas atividades relacionadas a corpo. Os
vídeos da norte-americana Lizzy Howell, por exemplo, tiveram mais de
100 mil visualizações, impressionando as mentes condicionadas a
pensar que o ballet é apenas para pessoas magras. A jovem, que
começou a dançar aos cinco anos, faz movimentos complexos, como,
por exemplo, uma série realizando onze fouettes em sequência.
Outro
belíssimo exemplo de ruptura com os padrões estéticos é o do grupo
cubano "Danza Voluminosa" que se apresenta desde 1996,
desafiando os padrões tradicionais da modalidade. Seu criador, Juan
Miguel, formado em dança contemporânea, fez pesquisas sobre corpos
volumosos para que se movam "esteticamente melhor", para
"fazê-los render a partir destas características",buscando
movimentos perfeitos adaptados a pessoas obesas.Nossas
danças "não
serão iguais às danças das pessoas magras porque temos outro peso,
outro estado físico",
explicou.
O "Danza Voluminosa" se apresentou várias vezes pelo país
caribenho, gerando reações diversas.
Nas
"primeiras
apresentações, havia um silêncio sepulcral. Alguns se levantavam e
iam embora e alguns riam (...), mas quando as pessoas viram o
desenvolvimento do nosso trabalho, como era forte e que havia por
trás de tudo um treino, um senso estético, no final aplaudiam
muito",
lembra Juan. "Conseguimos
ganhar um público",
completa.4
É
lamentável que pessoas deixem de experimentar outra prática que,
além de trabalhar alongamento e fortalecimento de forma completa, é
libertadora e ajuda no processo de autoconhecimento e na cura
integral: a yoga. As imagens de senhores indianos colocando o pé por
trás da cabeça já estão presentes no imaginário da maior parte
das pessoas quando ouvem falar de yoga. Acrescente-se a isso a
massiva propaganda nas redes sociais de famosos e famosas com corpos
esbeltos e definidos, em posições extraordinárias, desfrutando de
paisagens paradisíacas. O resultado acaba sendo o medo e o
desinteresse das pessoas em experimentar tais exercícios por
sentirem-se impossibilitadas de realizar algo semelhante. A
yogini
Dana Falsette tem um trabalho que também rompe com esse clichê e,
em seu site, há um depoimento inspirador sobre a sua trajetória:
Dana Falsette. Retirada de seu site oficial: <http://danafalsetti.com/>
“Eu
sei que a yoga veio como um último recurso. Eu estava perdida, à
procura de alguma coisa, e eu acho que em última análise, essa
coisa era a paz. Paz e liberdade que, eventualmente, veio de um lugar
de auto-estima. Lembro-me bem minha primeira aula. Eu tinha o maior
corpo da sala, além de ser novata. A yoga foi difícil. Eu não
conseguia ficar na posição “cachorro olhando para baixo”
durante 5 respirações. Meus ombros estavam em chamas e todo o tempo
parecia que para os outros não era grande coisa. Lembro-me de pensar
que nunca o faria e nunca poderia ser eu. Eu pensei que meu corpo
iria limitar minha prática, mas eu aprendi que só a minha mente
estabelece limites.”5
O estabelecimento de padrões para a prática de linguagens corporais faz parte de uma história de violência empreendida contra o corpo. Possue a função de condicionar o corpo e a mente para determinados tipos de atividades consideradas “produtivas” e alimentar uma indústria de remédios, de alimentos e de intervenções cirúrgicas. É lucrativo vender remédios e cirurgias e fazer as pessoas pensarem que apenas com 20 quilos a menos poderão praticar exercícios e liberarem endorfina e dopamina. Chamo esse conjunto de remédios que colocam as pessoas dentro dos padrões como a indústria da insatisfação. A dança, a yoga, os esportes de maneira geral libertam. E a liberdade não é lucrativa.
(Nos dias atuais, as doenças físicas e psíquicas causadas pelo sedentarismo chegaram a um nível oneroso para a sistema. A depressão está entre as principais causas de impedimento para o trabalho e a obesidade tornou-se um problema de saúde pública. Vemos, portanto, uma leve mudança na forma de tratar o corpo, mas esse já é outro assunto...)
“Em
tempos de ditadura da beleza, o corpo é massacrado pela indústria e
pelo comércio, que vivem da nossa isegurança, impotência e
angústia” - Paulo Moreira Leite.
A
dança do ventre poderia representar um caminho de resistência a
essas limitações psicologicamente impostas.
“Em
sua gênese, essas danças [orientais] dão tratamento diferenciado
ao corpo: na dança do vente, o corpo é sagrado, o princípio
feminino é expresso em cada movimento e nas formas do corpo. Os
atributos físicos femininos relacionados à mulher são exacerbados:
quadros largos, curvas dos seios, movimentos que evidenciem as parte
relacionada à procriação.”6
Mas,
no geral, o que se percebe é que ela não está muito distante de
outras linguagens corporais, no que se refere à liberdade
estética. Passei por muitos desafios
quando praticava dança do ventre, principalmente quando comecei a
fazer parte de uma companhia de dança. De repente, aos 16 anos, eu
descobri que era uma pessoa com muitas falhas: Meu cabelo era seco
demais, minhas unhas encravadas e nunca estavam feitas, minhas
sobrancelhas eram “complicadas”, cheias de falhas, meu rosto
cheio de espinhas, meus seios eram pequenos... Foram tantas coisas
que hoje eu olho minhas fotos e penso como eu conseguia me achar
bonita. Sim, fui picada pelo vírus tirano do padrão de beleza. E
quando eu acho que está tudo certo... descubro que sou “gorda”.
No momento em que escrevo isso, estou com vontade de rir de tão
absurdas que são as pressões de uma vida inteira sobre o corpo de
uma mulher, mas em cada situação dessa, só consegui chorar
ao olhar para o espelho. Até que conheci o Tribal Fusion (em
2008) e vi naquele estilo uma libertação dos padrões. Uma
linguagem que abraça as diferenças e que aceita as
individualidades, já que, como bem sintetizou a bailarina,
professora e pesquisadora em dança Joline Andrade, [o tribal] “surge
como proposta de agregar diferentes manifestações e matrizes de
danças tradicionais do mundo, e busca mesclar referências e
matrizes de danças tradicionais e transpô-las numa estética
contemporânea atualizada”.7
Acredito
que para alguém que esteja mais envolvido pelo estereótipo da
bailarina do ventre, estilo clássico (quanto mais “barbie”,
melhor), os vídeos do Fat Chance Bellydance são uma espécie de
choque estético. Assistir a diversidade de corpos e idades vista em
praticamente todas as apresentações é, para mim, como respirar um
ar menos poluído de tantas exigências sobre nossos corpos.
O nome do grupo, apesar de não ter a ver com o fato das
participantes serem gordas ou magras, traz uma forte crítica aos
estereótipos e leva a um olhar diferente sobre o que é apresentado:
“Fat Chance” é uma expressão que significa “sem chance”.
Carolena Nericcio (criadora do grupo) escolheu este nome para lutar
contra o estereótipo de que as bailarinas de dança do ventre são
também mulheres fáceis. Caso alguém peça uma dança “particular”,
o nome do grupo é a resposta: Fat Chance (sem chance). Essa postura
diante do público abre o caminho para que as bailarinas assumam e
tenham orgulho de seus corpos e de seu estilo, já que não têm a
dança como instrumento de sedução, ou seja, não possuem nenhuma obrigação de
se encaixar na expectativa do mercado.
Tudo
isso é muito lindo, mas seria hipocrisia da minha parte dizer que
não fiquei (muito!) triste quando soube dos comentários a meu
respeito, pois estava passando por um período de crise com meu
corpo. Inclusive, há pouco tempo entrei na academia com o objetivo
de voltar a ter o corpo que tinha há uns cinco anos.
Nossos corpos são
diariamente violentados. Comentário maldosos nos corredores do
trabalho, nas redes, nas festas... seja para reverenciar as curvas
como um excesso de carnes potencialmente gostosas, seja para análise
milimétricas sobre cada mudança em nossas medidas. Somos
bombardeadas por um padrão e é difícil se desvencilhar disso.
Também confesso que é difícil assumir que, mesmo defensora da
liberdade das mulheres, não consigo ser mais gentil com meu próprio
corpo. “Aprendi que nossa insegurança vendem que padrões de
beleza são construções sociais, aprendi horrores. Sei muito na
teoria, mas na p´ratica. Ah! Como é difícil!”8
Mesmo
no tribal, os padrões não foram completamente desconstruídos e o
modelo Rachel Brice de beleza ainda está em voga. Ainda vejo uma
cobrança para que as bailarinas de tribal fusion sejam magras,
“estilosas”, super flexíveis. Nos workshops de ATS, celebramos a
sororidade, mas nos bastidores, ainda enaltecemos aquelas bailarinas
que têm corpos maravilhosos.
Felizmente,
campanhas publicitárias e movimentos sociais batem nesta tecla cada
vez mais, valorizando as diferenças e pregando a felicidade e o amor
ao próprio corpo, seja lá como ele for. Para quem dança e vive em
contato com a própria imagem em vídeos, fotos ou no espelho,
mexendo com pontos do nosso corpo que trazem emoções passadas,
traumas ou enaltece o ego e a vaidade, essa pode se tornar uma
questão mais complexa. Se a sociedade cria as meninas
para odiarem seus corpos, o papel das professoras de dança do
ventre/tribal é fundamental na desconstrução desses valores e no
cultivo de gentileza e sororidade. Muitas já estão trabalhando
nesse caminho, mas algumas histórias que fico sabendo de vez em
quando me assustam. Muito feliz fico em saber dos exemplos bons, mas
enquanto uma única mulher se sentir gorda e deslocada em uma aula de
dança do ventre ou de tribal fusion, acredito na importância dessa
preocupação. Com a pretensão mais de questionar e fazer pensar
do que de dar fórmulas prontas para “ser feliz e empoderada do
jeito que é”, essa reflexão leva a uma preocupação pessoal
diária se não estou me analisando e observando os outros com esse
olhar padronizado. Como, em nossa prática e em nossa vida, nadamos
contra essa corrente de corpos perfeitos na dança? O que podemos
fazer para tornar essa linguagem ainda mais receptiva e libertadora? A propósito, o vídeo que levou a todo esse processo foi esse daqui:
Esse dia foi tão especial, tão lindo e eu estava com uma força tão grande (apesar do problema que tive com o bustiê, que queria me deixar pelada no palco rsrs), que não sei como não tive coragem de mostrar pra mais gente esse vídeo e não fui capaz de amá-lo assim que o vi, como estou amando agora...
1
Dança questiona padrões de beleza. Postado em 27 de maio de 2015
por Ivana Moura. Disponível em:
<http://www.satisfeitayolanda.com.br/blog/2015/05/27/danca-questiona-padroes-de-beleza>
2
Padrões de beleza são questionados em espetáculo em Petrolina,
PE.Publicado em 29 de maio de 2015. Disponível em:
<http://g1.globo.com/pe/petrolina-regiao/noticia/2015/05/padroes-de-beleza-sao-questionados-em-espetaculo-em-petrolina-pe.html>
3
NEPOMUCENO, C. ; MATSUMOTO, R. K. . Do Ventre ao Corpo:
considerações sobre corporeidade, dança do ventre e gênero..
CoMA , v. 1, p. 59-66, 2004.
4
Em Cuba, dançarinas "plus size" ganham aulas de ballet
clássico. Publicada em 19 de janeiro de 2016. Disponível em: <
http://www.correiodopovo.com.br/ArteAgenda/Variedades/2016/1/577347/Em-Cuba,-dancarinas-plus-size-ganham-aulas-de-ballet-classico>
5
A Letter From Me. Dana Fasette. Disponível em:
<http://danafalsetti.com/>
6
MOURA, Kátia Cristina Figueiredo de. Essas Bailarinas Fantásticas
e Seis Corpos Maravilhosos: existe um corpo ideal para a dança?
Campina, 2001. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação,
UNICAMP. P. 187.
7
ANDRADE, Joline T. A. Processos de hibridação na dança tribal:
estratégias de transgressões em tempos de globalização contra
hegemônica. Salvador, 2011. Monografia apresentada no curso lato
senso da Universidade Federal da Bahia. Pág. 13
8
“Confesso: sou feminista mas não consigo amar meu corpo”.
Postado em 12 de janeiro de 2017 po.... Disponível em:
<http://azmina.com.br/2017/01/confesso-sou-feminista-mas-nao-consigo-amar-meu-corpo/>